sexta-feira, 4 de novembro de 2011

NUNCA HOUVE TEMPO IGUAL...


As geladeiras eram importadas e os ventiladores um perigo para as crianças, com suas pás de metal desprotegidas. Comia-se manteiga sem culpa no café da manhã, almoçava-se em casa e jantava-se lautamente. 

Fotógrafos ganhavam a vida fazendo 3X4 na praça ou surpreendendo os casais e famílias que passeavam na rua; os instantâneos ficavam prontos rapidinho, em menos de uma semana. As contas eram pagas em dinheiro vivo. O correio trazia cartas e telegramas. As cartas aéreas eram escritas em papel fino para não ficarem pesadas e , por conseguinte, caras. Os comunicados fúnebres chegavam em envelopes com tarjas pretas, que lhes davam gravidade e urgência e os destacavam do resto da correspondência.

A televisão era um aparelho de luxo, que apresentava programação local por algumas horas – e, mesmo assim, em pouquíssimos estados. Para o grande público, as notícias vinham pelo rádio e pelos jornais, que traziam informação de todo tipo, das grandes manchetes ao resultado dos concursos públicos.

O noticiário em imagens garantia a circulação das revistas semanais e a popularidade dos cinejornais, projetados nas sessões de cinema antes dos longa metragens. Mães zelosas guardavam revistas para os trabalhos escolares dos filhos e, em toda casa com um mínimo de recursos, enciclopédias e coleções de livros de referência para jovens tinham destaque nas estantes. Havia ótimo mercado para as enciclopédias vendidas de porta em porta, em suaves prestações mensais.

A palavra “tecnologia”, apesar de inventada em 1829, não fazia parte do vocabulário geral.
E, no entanto, a maior revolução jamais vivida pela humanidade estava em curso. Já sabíamos que tudo pode mudar num piscar de olhos.  Só não sabíamos ainda que piscávamos tão depressa.

Em menos de 50 anos a tecnologia alterou radicalmente o modo como vivemos. Nenhum aspecto do cotidiano ficou intocado, nenhuma pessoa escapou à sua influência. Se esse impacto é para melhor ou pior, é discussão apenas filosófica. Não há volta no caminho.

Escrevo no meu Home Office, título pompudo para a biblioteca aqui de casa. Além do computador, há microchips no telefone, na linha dos celulares, no ar-condicionado e no seu controle remoto, num reloginho que me informa as horas e a temperatura ambiente e na câmara fotográfica.

Como é que conseguimos viver antes da Internet? Como todo mundo, eu também perdi a conta do número de vezes em que ouvi ou formulei essa pergunta. Como encontrávamos telefones e endereços? Como sabíamos quais filmes estavam em cartaz? Como descobriríamos os horários dos vôos, a temperatura em Lisboa, ou o valor da Rúpia? A quem recorríamos para saber como se tiram manchas? Como conseguíamos esperar meses por uma carta? Como dependíamos apenas dos discões que estavam nas lojas? Como fazíamos quando precisávamos a letra de uma música ou o trecho de um filme? Como elaborávamos o trajeto de casa para uma rua que não conhecíamos?

A resposta para essas questões, e tantas e tantas outras como elas, torna-se cada vez mais remota. É provável que, em breve, tornem-se tema de trabalho de escola e objeto de arqueologia urbana. E poderiam, desde já, torna-se um joguinho engraçado.

O fato é que, de 50 anos para cá, passamos a ser todos muito bem informados. Antigamente, a medida da curiosidade de uma criança restringia-se ao que sabiam os adultos à sua volta, aos eventuais livros de casa ou de uma possível biblioteca nas proximidades.

Com um pouco de curiosodade e uma conexão à Internet, o velho ditado italiano passa, enfim, à realidade: tutto el mondo è paese. O mundo é uma aldeia.
Clico na barra do Word, que me informa que, até aqui, escrevi exatas 2.748 palavras e 15.888 caracteres com espaço. A tarefa está quase concluída.

E eu penso, pela enésima vez, em como a tecnologia nos transformou a todos em privilegiados. Houve um tempo que só os reis podiam ouvir música quando bem entendessem – e ainda assim, ficavam limitados à orquestra da corte. 

Em breve, vou desligar o ar, pôr o PC no modo de espera e apagar a luz.

E agradecer a Deus e a minha boa estrela que me fez nascer na época certa.


Nenhum comentário:

Postar um comentário