sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O CONSERTADOR DE PANELAS.


Escrevi uma crônica e publiquei neste espaço virtual intitulada “Olha a Macaxeira Rosa”, fazendo um comentário a propósito de antigos vendedores de rua da cidade, desaparecidos, em maioria, nesses tempos de globalização e de mundialização do tudo e de todos. 

Recebi algumas mensagens pelo resgate de figuras típicas da cidade provinciana, como era o Salvador em décadas passadas. Foram muitas as lembranças a propósito de personagens urbanos, que os omiti, por falha mesmo da memória.

Outros, também, pediram que continuasse a crônica, seguindo o tema e a tônica anterior, para complementar a lista. Faço isso, pois, em atenção àqueles que se ocupam de meus escritos e com isso me dão uma satisfação muito especial.

Como esquecer do consertador de panelas, que passava oferecendo os seus préstimos às custas do toque cadenciado e peculiar de um pequeno varão de ferro sobre uma frigideira usada? O simples escutar dessa musicalidade característica, produzia na cozinha um rebuliço e as peças de alumínio furadas eram, de logo, selecionadas e entregues ao especialista na arte do remendo.

Voltavam novas, praticamente, trazendo no fundo o acréscimo de que precisavam e tinham a destinação habitual, a do cozimento, a depender, apenas, da receita do dia. 

Quando a galinha ia para a mesa, por certo que fora comprada ao homem que a cavalo trazia dois caçuás de penosas, um de cada lado. Cabia ao comprador sustentar a ave pelas asas e optar pela de peso maior, pois que o preço era unitário, não importando os quilogramas a mais, de um ou de outro exemplar.

Musicalidade mais apurada, entretanto, era a do amolador de tesouras, de facas, também, que usava um instrumento assemelhado a um realejo, do qual nasciam as notas da oferta. Um desses tinha parte do antebraço amputada, mas com um revestimento de couro, uma luva apropriada, manuseava a peça, cega por hora. Usava um carrinho que vinha empurrando e ao primeiro sinal de serviço a ser realizado, invertia a posição, alinhava a grande polia de borracha e com o pé num pedal artesanal girava o esmeril. Na realidade, terminava desgastando as lâminas a serem amoladas e em casa de toda a gente algumas das facas não serviam mais para atender às visitas ou aos mais cerimoniosos da família. Eram facas da cozinha.

O vendedor de pirulito do galo, com uma tábua toda furada e os doces cônicos encaixados, usava um apito e ia passando adiante o seu produto de fabricação caseira que pregava nos dentes.

Já o vassoureiro, o homem das vassouras e dos espanadores era diferente, trazia um material de cabos coloridos e de pilosidade formando desenhos, para o chão da casa e a poeira dos móveis, além de vender, também, o vasculhador, que passado no teto sacudia as aranhas, afugentando-as das teias. Tinha um grito característico, "vas-sou-rei-ro" chamando a atenção para a sua variedade em material assim, destinado à coleta do lixo doméstico, o grosso e o fino.

Mas a oferta da lã de barriguda para travesseiro era cantada em versos sem muita rima: “Eu tenho lã de barriguda/Para travesseiro.” E como não havia a espuma de hoje, sintética e mais prática, conseguia boa freguesia nas ruas por onde passava. Era preciso encher esses apetrechos, que nos servem à cabeça, para um bom e reparador sono, a intervalos de tempo certos.

O peixe, do mesmo jeito, chegava à porta de casa, vinha em dois balaios, os quais, sustentados por cordas à ponta de um suporte de madeira carregado às costas, pendiam livres, quase, balançando, pra lá e pra cá, à medida que o vendedor andava pelas ruas e oferecia o produto gritando. Alguns desses homens do peixe faziam verdadeiros malabarismos com os balaios. Paravam, então, e apresentavam as espécies e as espécimes de que dispunham, utilizando-se depois de uma tábua para preparar as postas, tudo segundo as preferências do freguês. Peixe fresco, ao tempo, sem a ação, às vezes deletéria, do gelo que da carne branca rouba o sabor.

Com os anos, apareceram os frigoríficos e a albacora popularizou-se na mesa do baiano. Mas, o nome desse bicho enorme dos mares era muito aplicado como apelido para as mulheres gordas, ricas em adiposidades.

E tinha também o vendedor de cambará: “Olha a bolinha de cambará/Dois pacotes é um vintém...”

E o acendedor de lampiões nas ruas do Salvador, iluminando os passeios da gente faceira. Não esqueço, todavia, do acendedor das lâmpadas, já, nos velhos postes de meu bairro, ligando as chaves e alumiando o tempo.


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