Era um homem de meia idade, todo vestido de branco, até o sapato tinha a mesma cor, chegou no box do queijo e pediu: “Um queijo de coalho sem sal, velho e curtido!”.
O vendedor e imagino que dono do estabelecimento comercial, respondeu sem mais delongas: “Só tenho queijo novo!”. Mas, ficou resmungando dois ou três minutos: “Cada qual com sua mania!”. Ora, comprasse o produto ainda novo, levasse pra casa e deixasse ao sol, assim curtiria o queijo e comeria a seu gosto, complementou, na ranzinzice de seu gênio.
Sucede, porém, que não fui ao mercado das Sete Portas para chafurdar a vida alheia, tinha ido – isso sim! – comprar a cabidela do almoço e trouxe pra casa um frango grande, pesado e com aparência de macio, que alimentou a família inteira. Pedi uma galinha caipira, mas não tinha. Tinha uma matriz, enorme e dura. Não presta, imaginei!
Aprecio o ambiente do mercado das Sete Portas e vez ou outra tomava por lá um café da manhã reforçado, a titulo de desjejum, no qual vem a macaxeira cozida, fumaçando ainda e a carne de boi cozida. Pode-se escolher, à vontade do freguês, o jabá ou a carne de sol, o cuscuz ou o cará.
Sentado à mesa compreendo um pouco do tudo que se passa por ali. O papel do vagabundo que se levanta logo cedo do banco da praça, lava a boca na torneira de uso comum, toma os primeiros goles d’água e vai degustar a lapada dos começos de mais um dia, a aguardente pura, da qual tira a parte do santo, como se santo bebesse. No banco do balcão do restaurante, tosco e rude, conta o que pôde amealhar no ontem dos tempos e pede um café, também, até onde pode com as suas economias de um cotidiano ameaçado. Volta à praça e vai preencher com o nada das coisas a sua manhã e a sua tarde, prá novamente deitar-se no banco de madeira dura.
Alguns conhecidos e muitos desconhecidos fazem a feira das verduras e das frutas, o sábado tem essa cara, a da beterraba e a da cenoura, a do chuchu e a do maxixe, a do jerimum e a do quiabo.
O feijão verde debulhado na hora serve de complemento à carne de sertão, a manga adorna o prato e faz a festa, o suco e o degustar solene da polpa que mancha de amarelo a boca do penitente e deixa tingidas as mãos e as unhas. Para terminar tudo, só um doce de banana em barra, desses crocantes, bem açucarados; doce de banana em barra com farinha do pote, branquinha, branquinha.
Tudo isso me agrada, porque desde cedo ia à feira das Sete Portas com a minha mãe, voltando com o homem do balaio, com o cognome de “Bico Fino”, apelido que meu pai deu pelo semblante inocente e engraçado da criatura.
Andava barraca por barraca vendo de um tudo e parava naquela dos carrinhos de madeira, apreciando o artesanato que tanto me encantava.
Dessa vez levo filha minha que da Espanha chegou e pra lá há de voltar, Luciana de prenome. Estuda as marcas no corpo, de cá e de além mar, tatuagens e outros sinais perpetuados na pele. Ocupou-se em tirar fotografias dos boxes apinhados de apetrechos, os domésticos e aqueles pessoais, da individualidade da criatura ou da intimidade do ser humano.
No mercado de tudo se encontra um pouco, a verdura e a fruta, a carne verde, como se dizia outrora e a carne de sol, curtida feito o queijo dos desejos daquele homem, o peixe fresco e o camarão das águas quentes do Atlântico.
Melhor o miúdo, o sarapatel de encomenda ou a dobradinha exposta no balcão.
E assim, flanando, o sábado se esvai, ameaça com o domingo e a segunda-feira amanhece.
O Natal chega e as elites se confraternizam, comem e bebem, dão gargalhadas enormes, enquanto os excluídos sociais choram a dor do vazio de todos os estômagos. E o Cristo, que é Deus, não nasceu numa manjedoura? Por que os pobres não participam do grande banquete da noite sagrada?
Porque o homem desprezou o semelhante e dividiu em castas a sociedade!
Há os incluídos, os ainda incluídos e esses, os excluídos de tudo!
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