quinta-feira, 31 de março de 2011

TEMPOS DE CRIANÇA

Eu tenho um enorme ermo dentro do olho. Por motivo do ermo não fui um menino muito peralta. Agora tenho saudade do que não fui. Acho que o que faço agora é o que não pude fazer na infância. Faço outro tipo de peraltagem. Quando era criança eu deveria pular muro do vizinho para catar goiaba. Mas não havia vizinho. Em vez de peraltagem eu fazia solidão.

Brincava de fingir que pedra era lagarto. Que lata era navio, que sabugo era um bichinho danado e mal resolvido e igual a um filhote de gafanhoto.
Cresci brincando no chão, entre as formigas. De uma infância livre e sem comparamentos. Eu tinha mais comunhão com as coisas do que comparação.

Porque a gente fala a partir de ser criança, a gente faz comunhão: de um orvalho e sua aranha, de uma tarde e suas garças, de um pássaro e sua árvore. Então eu trago das minhas raízes crianceiras a visão comungante e oblíqua das coisas.

Eu sei dizer sem pudor que o escuro me ilumina. Eu tenho que essa visão oblíqua vem de eu ter sido criança em algum lugar perdido onde havia transfusão da natureza e comunhão com ela.

Era o menino e os bichinhos. Era o menino e o sol. Era o menino e o rio. Era o menino e as árvores.

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