Vejo uma aranha caçar uma mariposa – eis o problema. Mato a aranha ou deixo a aranha viva e salvo a mariposa? Deixo a aranha devorar a mariposa?
O fato se passa na terça-feira de carnaval, mas não faço alegoria. Não me refiro a um pierrô malvado que seqüestra uma indefesa colombina... É carnaval, mas estou sentado na frente do meu PC, e é a vinte centímetros de mim, sob a borda da escrivaninha que se processa esse brutal assassinato.
Me detenho e observo. A mariposa se agita presa por fios invisíveis, e detrás do teclado, surge a aranha, pequenina e com olhar voraz. A princípio sou pura curiosidade: a aranha é muito menor que a mariposa, que irá fazer? Aproxima-se, faz uma volta em torno dela, se detém e move rapidamente as pernas. A mariposa de agita menos, enlaçada.
É quando intervém em mim o sentimento: a aranha vai devorá-la. O seu trabalho agora é sinistro: sobe na mariposa, tece-lhe na cabeça, procura virá-la e muda de posição. Até parece um homem trabalhando, amarrando sua presa.
A cidade está mergulhada na folia, e é como se a aranha aproveitasse essa distração para cometer o seu crime silencioso. Mas por acaso, um dos habitantes da cidade, eu, ficou em casa e com isso a aranha não contava. Sou a única testemunha. Mais que isso: posso evitar o crime. Bastaria um gesto meu e a mariposa estaria salva.
Devo fazê-lo?
Enquanto isso, a aranha continua a sua faina sinistra. Agora arrasta a mariposa, já totalmente imobilizada para aquele canto sombrio, atrás do teclado do computador donde saíra momentos antes. Percebo na aranha uma inteligência quase humana. Pobre mariposa.
E o carnaval bombando lá fora! Vou salvá-la. Ergo a mão, mas vacilo. Enfim, prá que servem as mariposas?
-Prá que as aranhas as comam, responde-me a aranha sem interromper seu serviço.
- Sim, mas prá que servem as aranhas?
-Prá comer as mariposas.
-Ora bolas, mas prá que servem as aranhas e as mariposas?
A aranha não se dignou a responder. A essa altura ela sumira com a mariposa por detrás da gaveta do rack. Alguém, providencialmente, bate à porta da sala e me chama de volta à realidade dos homens.
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