“Garota é ferida por Bala Perdida” Jornal Folha de São Paulo.
Que triste destino o meu, suspirava a Bala Perdida. E tinha razão: entre as Balas Certeiras, a sua reputação era lamentável, para dizer o mínimo. À diferença delas, a Bala Perdida não tinha rumo certo, não tinha alvo definido. Disparada a esmo, ela ia cravar-se numa parede, ou no tronco de uma árvore, ou simplesmente, perdia-se.
Poderia até cair na água suja de um charco qualquer, onde ficaria por muito tempo, até que a misericordiosa ferrugem viesse corroer o metal de que era feita, terminando assim com o seu sofrimento.
O pior não era tanto o fracasso. O pior era a inveja. As Balas Certeiras se gabavam, e com razão, do estrago que faziam. Hoje vou estourar um crânio, dizia uma, e outra acrescentava: hoje vou varar um pulmão. Havia aquelas que sonhavam em destruir múltiplos órgãos, ou atingir mais de uma pessoa de cada vez.
A Bala Perdida não podia permitir-se esses sonhos. As outras sabiam disso. Mal eram colocadas no tambor do revólver, começavam a debochar: então, o que vai ser hoje? Um muro caindo aos pedaços? A parede de um barraco imundo? A Bala Perdida, tristonha, nada respondia. Aguardava somente o doloroso instante da percurssão, aquele instante em que, depois da explosão, seria projetada no espaço infinito, rumo a um alvo infamante.
Mas de repente isso mudou.

Seguiu-se uma jornada excitante: a garota foi levada para o hospital e uma operação foi necessária e o cirurgião comentou com os assistentes: Puxa vida, foi difícil extrair essa bala perdida. Mandou recolhê-la num saco plástico. E ali, examinada por muitos, a Bala Perdida viveu seu instante de glória maior. Queriam saber de seu calibre, queriam saber de onde tinha sido disparada, queriam até examiná-la sob lentes.

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