sábado, 19 de fevereiro de 2011

A LESMA


          Nas minhas tardes eu via a lesma no quintal. Era a mesma lesma. Eu via toda tarde a mesma lesma se despregar de sua concha, no quintal e subir na pedra. E ela me parecia viciada. A lesma ficava pregada na pedra, nua de gosto.

           Ela possuíra a pedra? Ou seria ela possuída? Eu era pervertido naquele espetáculo. E se eu fosse um voyeur no quintal, de binóculos? Podia ser. Mas eu nunca neguei aos meus pais que eu gostava de ver a lesma se entregar à pedra.

          Nunca escondi aquele meu delírio erótico. Nunca escondi de meus pais aquele gosto supremo de ver. Dava a impressão de que havia uma troca voraz entre a lesma e a pedra. Confesso, aliás, que eu gostava muito, naquele tempo, de todos os seres que andavam a esfregar as barrigas no chão.

           Lagartixas eram muito principais do que as lesmas nesse ponto. Eram esses pequenos seres que viviam ao gosto do chão que me davam fascínio. Eu não via nenhum espetáculo mais edificante do que pertencer ao chão. Para mim, esses pequenos seres tinham o privilégio de ouvir as vozes da terra.

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