sexta-feira, 6 de maio de 2011

FAZENDO AMIZADE

Estava eu na fila do caixa do supermercado, atrás de mim estava uma senhora de idade com seu carrinho mais ou menos cheio, até que apareceu uma outra senhora aparentemente da mesma idade e perguntou se podia passar na frente, já que levava apenas dois pacotes. A senhora do carrinho meio cheio aceitou, porém com uma má vontade impressionante. Ficou ali de cara feia resignada até que a furona da fila comentou que tinha pressa porque tinha hora no médico, e que estava cheia de dores. Pronto, passou a raiva. As duas se animaram e começaram a falar de doenças que padeciam. Quando eu fui embora ainda estava alegremente comentando:

- É artrite? Artrite é terrível!

- Ai, nem me fale! Levo anos tratando a minha! Osteoporose você tem?

- Ô se tenho! E meu marido parece que tá com Alzheimer.

- Ai, Alzheimer é ruim demais. Meu irmão tem...

Foi então que cheguei à conclusão que há aspectos da vida que são profundamente socializantes, mas devemos estar atentos à faixa etária. Com velhinhas é fácil. Falou de doença e já tem assunto pra tarde inteira.

Com pessoas mais jovens, o cigarro é um bom caminho. Por menos altruístas que o sujeito seja, não será com relação ao cigarro. Pode que não dê esmola, pode que não dê comida, mas um cigarrinho ninguém nega, mesmo para um completo desconhecido. Eu tenho um amigo que não fuma, mas usa do altruísmo tabagista para paquerar meninas. É só ver uma mulher bonita fumando que vai lá pedir um cigarrinho e enquanto a moça vai catando o maço na bolsa ele vai puxando conversa. Se se aproximasse pedindo qualquer outra coisa a garota torceria o nariz.

Outra coisa socializante: Maconha. Isso mesmo. Maconha. É impressionante como os maconheiros são unidos. O cara não torce pelo teu time, não vota no teu candidato, não ouve teu tipo de música, no final vocês não tem nada em comum a não ser o fato que ambos são maconheiros, e isso basta pro cidadão te tratar como irmão. Eu sempre defendi que meu fracasso social radica no fato de que eu não uso drogas. Cansei de ver a facilidade que meus amigos que curtem uma marofa fazem novas amizades só puxando um beck. É algo como: "Pô, tu é maconheiro? Eu também sou, chega aí! Tu é parceiro então.." pronto, já estão saindo juntos, já é apresentado a outro grupo, enquanto os caretas vão levando sua vida sedentária.

Mais uma: Livros. Saudáveis e socializantes. Criou-se uma mística tão grande em torno do leitor e que ler é coisa de intelectual, que as pessoas adoram comentar sobre o que estão lendo. Aliás, é meu único refúgio para começar um contato com um desconhecido, mas ainda assim é complicado. Tipo, maconha é maconha, mas há livros e “livros”; não é o mesmo puxar assunto com um leitora de Dias Gomes que com um leitora de Voltaire. Então eu sempre tenho que ir me esgueirando de fininho tentando ler o título na capa do livro até fazer algum comentário que gere uma conversa. Outra desvantagem é que há mais maconheiros e fumantes do que leitores de bons livros. Uma das amigas que eu tenho a conheci assim. Ela ia na lanchonete onde eu trabalhava cada semana com um livro diferente até que um dia puxei assunto e agora além de amiga é conselheira literária.

Outra: Camisa de Banda. Pessoas acham que só porque você tem o mesmo gosto musical, então é gente boa. Cabe uma ressalva: a probabilidade de alguém vir te cumprimentar por estar vestindo a camisa de uma banda aumenta quanto mais "alternativa" for a mesma. Você com uma camisa do U2 vai cruzar com mil fãs da banda e passar esquecido. Agora experimenta uma camisa do Paulo Diniz, que o primeiro que souber pelo menos o nome de três músicas dele vai te dar um abraço. E isso é explicável. Essas pessoas se acham parte de uma minoria seleta (eu me incluo) e oprimida pela música jabá, então quando veem alguém para compartilhar seu gosto por Arrigo Barnabé, Rogério Skylab ou Zumbi do Mato fora do orkut, ficam felizes.

Religião segue a mesma regra da camisa de banda. Só se for minoria. Dois muçulmanos de turbante se cruzam no Brasil e com certeza se aproximam. Já nos Emirados Árabes não acho que ser muçulmano gere tanto assunto. Testemunha de Jeová se conhece pela revista Sentinela e Despertai. Se tiver com uma na mão, pode encostar porque ou é TJ ou é estudante.No meu caso é complicado, porque apesar de ser minoria, não tem nada que identifique ao irmão ao meu lado que compartimos da mesma crença.

Ou seja, ou começo a fumar maconha socialmente ou terei que me resignar a buscar devoradoras de livros em lanchonetes por toda a vida pra me agrupar. Alguém tem alguma idéia de outros elementos socializantes para sugerir?

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