domingo, 10 de abril de 2011

DAVI E GOLIAS

Meu pai dizia, em tom de brincadeira, que assim que os historiadores saíram de perto, Golias desceu o cacete em Davi, pra ele parar com essa mania besta de ficar jogando pedra nos outros. A história do pequenino que derrubou o gigante com a ajuda de sua funda é possivelmente o primeiro ‘real’ exemplo de uma reação ao bullying de que temos notícia e, desde então, casos semelhantes são sempre lembrados quando queremos provar que tamanho não é documento.

O caso é que bullying é algo bem mais complicado – e muito mais doloroso – do que nos fazem acreditar Davi e Golias. Está começando cada dia mais cedo, com crianças cada vez mais novas. Está bem mais violento e cruel, não só no abuso físico, mas também no emocional. Já saiu dos pátios das escolas e do parquinho na frente de casa e alcançou o mundo virtual, onde o anonimato pode tornar os bullies especialmente perversos. 

É tema de campanha envolvendo celebridades e presidentes, é assunto recorrente nos painéis de discussão e programas de TV. Está ficando cada vez mais corriqueiro, e todo mundo sabe o perigo que é quando essas coisas viram lugar-comum: as pessoas primeiro deixam de se espantar, depois param de se importar.

 
Então a gente entende quando um vídeo como o do garoto australiano Casey Heynes vira febre na internet. Casey tem 15 anos e há anos sofria nas mãos dos colegas de escola por ser gordinho e boa-praça – um prato cheio para os metidos a valentões. E Casey até era maior do que eles, mas simplesmente não revidava. Quer dizer, isso até ele resolver um dia dar um basta e partir para a reação. Na frente das câmeras dos colegas que queriam justamente mostrar o garoto sendo atacado mais uma vez. Ouvindo Casey dando entrevista depois, a gente vê que tudo que ele queria era que nada daquilo tivesse acontecido. O pai, como tantas vezes acontece, não sabia que a situação de seu filho era tão dramática.
Tem também aqueles que guardam esse trauma o resto de suas vidas, vão inchando por dentro, inchando, inchando até que não dá mais prá segurar e explodem. Foi o que aconteceu recentemente no Rio de Janeiro. 

Um dia depois do massacre na escola, surgem indícios de que o bullying foi um dos fatores contribuintes para o crime. Colegas de classe afirmaram que Wellington Menezes, ex-aluno da escola Tasso da Silveira, era vítima de bullying e que um colega chegou a fazer a macabra previsão de que um dia ele "mataria muita gente". Do fato que ganhou manchetes em jornais do Mundo inteiro, podemos destacar que Wellington era virgem, algo pouco comum para um jovem de 23 anos e que o seu alvo eram mulheres. Talvez uma rejeição sexual ou até mesmo a sua introspecção na vida social, desencadeou tudo isso.

Wellington Menezes de Oliveira tinha 23 anos e morava sozinho. Ultimamente tinha hábitos estranhos e andava de preto. O mundo dele era internet e gostava de jogos: disse um vizinho na TV. E antes do ataque deixou carta com teor religioso. Considerado tranquilo e tímido matou mais meninas do que meninos - o que pode demostrar um perfil psicológico de alguém que já sofreu rejeição por mulheres.

Ninguém opta pelo descaso, ninguém é reservado por mero capricho. Não estou defendendo Wellington, muito menos validando a sua atitude, apenas quero chamar a atenção que o Wellington também era um “brasileirinho” que teve a sua vida interrompida. Assim como das vitimas que ele brutalmente assassinou, os seus sonhos também foram enterrados e interrompidos. E qual é a parte que nos toca? Nós, como sociedade organizada, em que momento criamos o Wellington e quantos Wellingtons no Brasil afora estamos criando?

Não consigo nem imaginar o que é viver assim durante anos, ainda mais sendo uma criança. Nunca sofri bullying. O que muitos jovens sofrem hoje é algo muito, muito mais sério do que os empurrões e tapas que os grandalhões costumavam aplicar nos menores em priscas eras. Existem milhões de Caseys e Wellingtons por aí, e o problema é que muitos vivem sob ameaça de bullying sem reagir ou chamar a atenção de pais e professores. Este caso talvez sirva para trazer o assunto à tona mais uma vez. Porque esse é um problema que ainda está longe, muito longe de acabar.

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